segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Dízimos e Ofertas

 


"Dízimos, Ofertas e Votos Financeiros: O que Permanece na Nova Aliança?"

Ao longo da história do povo de Deus, o ato de entregar algo ao Senhor em forma de dízimo, oferta ou voto sempre foi um gesto de fé, gratidão e devoção. Mas a grande pergunta é: isso continua válido para nós, cristãos da nova aliança? Devemos ainda hoje dar o dízimo, fazer ofertas e votos financeiros como parte da nossa adoração?

Este é um tema que precisa ser tratado com cuidado, porque envolve o modo como entendemos a relação entre a antiga e a nova aliança, e também como aplicamos princípios bíblicos à vida da igreja hoje.

Vamos, então, olhar com calma para cada um desses três aspectos: dízimos, ofertas e votos, desde o seu surgimento nas Escrituras até a sua aplicação prática para o povo de Deus sob a graça de Cristo.

1. O dízimo: origem e propósito

O primeiro registro de dízimo aparece em Gênesis 14:18‑20, quando Abraão entrega “um décimo de tudo” a Melquisedeque após a vitória sobre os reis que haviam saqueado Ló. É importante entender o contexto desse ato. Abraão entregou 10% dos espólios de guerra, um gesto de gratidão pelo sucesso militar.

Estudos históricos mostram que a prática de separar um décimo de bens ou colheitas já era comum em várias culturas do antigo Oriente Próximo, incluindo Mesopotâmia, Síria-Palestina e Egito. Em muitas dessas culturas, esse décimo era ofertado aos deuses ou a sacerdotes como tributo, reconhecimento ou agradecimento, e não como mandamento legal ou obrigação periódica.

Além disso, a Bíblia não registra que Abraão continuou dando dízimos regularmente ou anualmente. Trata-se de uma oferta pontual, ligada a um evento específico, a vitória sobre seus inimigos e a expressão de gratidão a Deus. Ou seja, embora este ato tenha sido significativo, ele não estabelece um padrão contínuo ou obrigatório para a vida de Abraão ou de seus descendentes.

Portanto, afirmar que o dízimo começou com Abraão e que ele seria um mandamento contínuo para todos os cristãos seria desonesto, do ponto de vista histórico e hermenêutico. O ato de Abraão é descritivo: ele fez uma oferta voluntária e generosa, mas não prescritivo, Deus não exige que todos sigam a mesma prática como obrigação legal.

Mais tarde, na Lei Mosaica, o dízimo passa a ter caráter regular e institucional em Israel:

“A todos os dízimos da terra, da semente do campo, do fruto das árvores, são do Senhor, santos são ao Senhor.” (Levítico 27:30)

Na Lei, havia três tipos principais de dízimos:

1. O dízimo levítico, destinado ao sustento dos levitas (Números 18:21)

2. O dízimo festivo, usado nas celebrações religiosas (Deuteronômio 14:22-27)

3. O dízimo para os necessitados, entregue a cada três anos aos pobres, órfãos e viúvas (Deuteronômio 14:28-29)

Esses dízimos eram parte de um sistema religioso e civil, ligado ao culto levítico, à manutenção do templo e à sustentação do sacerdócio.

2. O dízimo na Nova Aliança

Quando chegamos ao Novo Testamento, Jesus menciona o dízimo em Mateus 23:23, repreendendo os fariseus que davam o dízimo “da hortelã, do endro e do cominho”, mas negligenciavam “a justiça, a misericórdia e a fé”. Ele não condena o dízimo, mas mostra que a obediência ritual sem coração regenerado é inútil.

Depois da cruz, não há mandamento apostólico sobre o dízimo. Os apóstolos não o exigem dos crentes gentios, nem Paulo nem Pedro instruem as igrejas a separar 10%. O sistema levítico foi abolido porque o sacerdócio mudou (Hebreus 7:11-12).

Em Cristo, todo o povo de Deus é um sacerdócio real (1 Pedro 2:9). Portanto, a contribuição do cristão não é um imposto religioso, mas uma expressão de amor e gratidão.

3. A oferta cristã: o princípio da generosidade

Embora o dízimo não seja mandamento na nova aliança, a prática da oferta permanece e até se aprofunda. Paulo ensina sobre isso de forma clara em 2 Coríntios 8 e 9.

Ele elogia os crentes da Macedônia, que, mesmo em meio à pobreza, contribuíram com alegria e generosidade, “segundo as suas posses e mesmo acima delas” (2 Coríntios 8:3)

Depois, ele explica o princípio:

“Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza nem por necessidade, porque Deus ama a quem dá com alegria.” (2 Coríntios 9:7)

A oferta cristã, portanto, não é uma porcentagem fixa, mas um ato de amor consciente e voluntário, proporcional à renda e à disposição do coração. Ela é um fruto da graça, não uma exigência da lei.

Os reformadores foram unânimes nesse ponto. Calvino, comentando 2 Coríntios 9, afirmou que o cristão deve contribuir com alegria e liberalidade, lembrando que tudo o que possui vem do Senhor. Já Martinho Lutero ensinava que a oferta deve ser feita “não por coação, mas por amor, porque o cristão vive de gratidão e não de obrigação”.

Assim, a generosidade se torna parte da adoração, não como um cálculo de porcentagem, mas como expressão da comunhão e da gratidão ao Senhor.

4. O propósito das contribuições na Igreja

A Escritura mostra que as ofertas da igreja devem ter três propósitos principais:

1. Sustentar os que se dedicam integralmente ao ministério da Palavra, como Paulo ensina:

“Digno é o trabalhador do seu salário.” (1 Timóteo 5:18)

“Assim ordenou também o Senhor aos que pregam o evangelho, que vivam do evangelho.” (1 Coríntios 9:14)

2. Cuidar dos necessitados dentro da comunidade, seguindo o exemplo da igreja primitiva em Atos 4:34-35

3. Manter as atividades e o testemunho da comunidade, pois todos usufruem dos recursos usados para o culto, evangelização e edificação

Tudo isso deve ser administrado com transparência e temor, lembrando que esses recursos pertencem ao corpo de Cristo. Ninguém deve enriquecer com as ofertas do povo de Deus, mas todos devem servir com fidelidade.

5. Os votos financeiros: o cuidado com o coração

Além do dízimo e das ofertas, a Bíblia também fala sobre votos. O voto é um compromisso voluntário que alguém faz diante de Deus, prometendo realizar algo ou oferecer algo ao Senhor.

Contudo, a Escritura ensina que o voto não é uma troca com Deus, nem um meio de comprar bênçãos.

O voto é voluntário:

“Quando fizeres algum voto ao Senhor teu Deus, não tardarás em cumpri-lo, porque o Senhor teu Deus certamente o requererá de ti. Porém, abstendo-te de fazer voto, não haverá pecado em ti.” (Deuteronômio 23:21-23)

O voto nasce da gratidão:

“Pagarei os meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo.” (Salmo 116:14)

O voto precipitado é perigoso:

“Melhor é que não votes do que votes e não cumpras.” (Eclesiastes 5:5)

O voto pode expressar fé e entrega:

“Fez Ana um voto, dizendo: Senhor dos Exércitos, se te lembrares da tua serva e me deres um filho, eu o darei ao Senhor todos os dias da sua vida.” (1 Samuel 1:11)

Ana não tentou comprar a bênção. Ela expressou fé e submissão, pronta para aceitar a vontade de Deus. E quando foi atendida, cumpriu com alegria.

Assim, se um cristão deseja fazer um voto, deve fazê-lo com entendimento e fé, sabendo que não está negociando com Deus, mas expressando gratidão e confiança. Pode, sim, pedir algo ao Senhor e oferecer uma oferta especial, contanto que o faça com o coração submisso à vontade dEle, aceitando qualquer resposta que venha do céu.

Calvino advertiu que os votos devem ser feitos apenas quando são santos, prudentes e conformes à Palavra, e nunca usados como instrumento de superstição ou troca.

6. Conclusão: generosidade, não obrigação

Na Nova Aliança, não há mandamento para que o cristão dê o dízimo de 10%. O princípio agora é mais elevado: tudo pertence ao Senhor. O crente reconhece que é apenas um mordomo dos bens de Deus.

O que o Novo Testamento ensina é a generosidade proporcional: dar segundo o que se tem, com alegria, amor e fé, sabendo que Deus é quem supre todas as necessidades do seu povo.

A comunidade cristã deve cooperar para o sustento da obra, do ministério pastoral e das necessidades do corpo, administrando tudo com honestidade e responsabilidade. O foco não é a porcentagem, mas o coração rendido.

Portanto, dízimos, ofertas e votos são expressões de adoração, mas precisam ser compreendidos à luz da graça. Não como instrumentos de troca, mas como frutos de fé.

Dar ao Senhor não é uma obrigação legal, mas uma alegria espiritual. É reconhecer que tudo o que temos vem dEle, e que tudo o que somos pertence a Ele.

“Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não por necessidade, porque Deus ama a quem dá com alegria.” (2 Coríntios 9:7)

Em resumo: não devemos nos prender a 10%, pois tudo pertence ao Senhor. Devemos cooperar com a comunidade que participamos, porque usufruímos de tudo o que ela faz para manter o culto, o ministério e a edificação do corpo. Sustentar o pastor que se dedica integralmente à obra de Deus e administrar os recursos com sabedoria é parte do serviço do corpo. E tudo isso deve ser feito com alegria e proporcional ao que recebemos, conforme ensina Paulo em 1 Coríntios 8 e 9.

Que Deus nos Ajude!

Soli Deo Gloria

Alex Mendes