"Dízimos,
Ofertas e Votos Financeiros: O que Permanece na Nova Aliança?"
Ao longo da
história do povo de Deus, o ato de entregar algo ao Senhor em forma de dízimo,
oferta ou voto sempre foi um gesto de fé, gratidão e devoção. Mas a grande
pergunta é: isso continua válido para nós, cristãos da nova aliança? Devemos
ainda hoje dar o dízimo, fazer ofertas e votos financeiros como parte da nossa
adoração?
Este é um tema
que precisa ser tratado com cuidado, porque envolve o modo como entendemos a
relação entre a antiga e a nova aliança, e também como aplicamos princípios
bíblicos à vida da igreja hoje.
Vamos, então,
olhar com calma para cada um desses três aspectos: dízimos, ofertas e votos,
desde o seu surgimento nas Escrituras até a sua aplicação prática para o povo
de Deus sob a graça de Cristo.
1. O dízimo:
origem e propósito
O primeiro
registro de dízimo aparece em Gênesis 14:18‑20, quando Abraão entrega “um
décimo de tudo” a Melquisedeque após a vitória sobre os reis que haviam
saqueado Ló. É importante entender o contexto desse ato. Abraão entregou 10%
dos espólios de guerra, um gesto de gratidão pelo sucesso militar.
Estudos
históricos mostram que a prática de separar um décimo de bens ou colheitas já
era comum em várias culturas do antigo Oriente Próximo, incluindo Mesopotâmia,
Síria-Palestina e Egito. Em muitas dessas culturas, esse décimo era ofertado
aos deuses ou a sacerdotes como tributo, reconhecimento ou agradecimento, e não
como mandamento legal ou obrigação periódica.
Além disso, a
Bíblia não registra que Abraão continuou dando dízimos regularmente ou
anualmente. Trata-se de uma oferta pontual, ligada a um evento específico, a
vitória sobre seus inimigos e a expressão de gratidão a Deus. Ou seja, embora
este ato tenha sido significativo, ele não estabelece um padrão contínuo ou
obrigatório para a vida de Abraão ou de seus descendentes.
Portanto,
afirmar que o dízimo começou com Abraão e que ele seria um mandamento contínuo
para todos os cristãos seria desonesto, do ponto de vista histórico e
hermenêutico. O ato de Abraão é descritivo: ele fez uma oferta voluntária e
generosa, mas não prescritivo, Deus não exige que todos sigam a mesma prática
como obrigação legal.
Mais tarde, na
Lei Mosaica, o dízimo passa a ter caráter regular e institucional em Israel:
“A todos os
dízimos da terra, da semente do campo, do fruto das árvores, são do Senhor,
santos são ao Senhor.” (Levítico 27:30)
Na Lei, havia
três tipos principais de dízimos:
1. O dízimo
levítico, destinado ao sustento dos levitas (Números 18:21)
2. O dízimo
festivo, usado nas celebrações religiosas (Deuteronômio 14:22-27)
3. O dízimo para
os necessitados, entregue a cada três anos aos pobres, órfãos e viúvas
(Deuteronômio 14:28-29)
Esses dízimos
eram parte de um sistema religioso e civil, ligado ao culto levítico, à
manutenção do templo e à sustentação do sacerdócio.
2. O dízimo na
Nova Aliança
Quando chegamos
ao Novo Testamento, Jesus menciona o dízimo em Mateus 23:23, repreendendo os
fariseus que davam o dízimo “da hortelã, do endro e do cominho”, mas
negligenciavam “a justiça, a misericórdia e a fé”. Ele não condena o dízimo,
mas mostra que a obediência ritual sem coração regenerado é inútil.
Depois da cruz,
não há mandamento apostólico sobre o dízimo. Os apóstolos não o exigem dos
crentes gentios, nem Paulo nem Pedro instruem as igrejas a separar 10%. O
sistema levítico foi abolido porque o sacerdócio mudou (Hebreus 7:11-12).
Em Cristo, todo
o povo de Deus é um sacerdócio real (1 Pedro 2:9). Portanto, a contribuição do
cristão não é um imposto religioso, mas uma expressão de amor e gratidão.
3. A oferta
cristã: o princípio da generosidade
Embora o dízimo
não seja mandamento na nova aliança, a prática da oferta permanece e até se
aprofunda. Paulo ensina sobre isso de forma clara em 2 Coríntios 8 e 9.
Ele elogia os
crentes da Macedônia, que, mesmo em meio à pobreza, contribuíram com alegria e
generosidade, “segundo as suas posses e mesmo acima delas” (2 Coríntios 8:3)
Depois, ele
explica o princípio:
“Cada um
contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza nem por
necessidade, porque Deus ama a quem dá com alegria.” (2 Coríntios 9:7)
A oferta cristã,
portanto, não é uma porcentagem fixa, mas um ato de amor consciente e
voluntário, proporcional à renda e à disposição do coração. Ela é um fruto da
graça, não uma exigência da lei.
Os reformadores
foram unânimes nesse ponto. Calvino, comentando 2 Coríntios 9, afirmou que o
cristão deve contribuir com alegria e liberalidade, lembrando que tudo o que
possui vem do Senhor. Já Martinho Lutero ensinava que a oferta deve ser feita
“não por coação, mas por amor, porque o cristão vive de gratidão e não de
obrigação”.
Assim, a
generosidade se torna parte da adoração, não como um cálculo de porcentagem,
mas como expressão da comunhão e da gratidão ao Senhor.
4. O propósito
das contribuições na Igreja
A Escritura
mostra que as ofertas da igreja devem ter três propósitos principais:
1. Sustentar os
que se dedicam integralmente ao ministério da Palavra, como Paulo ensina:
“Digno é o
trabalhador do seu salário.” (1 Timóteo 5:18)
“Assim ordenou
também o Senhor aos que pregam o evangelho, que vivam do evangelho.” (1
Coríntios 9:14)
2. Cuidar dos
necessitados dentro da comunidade, seguindo o exemplo da igreja primitiva em
Atos 4:34-35
3. Manter as
atividades e o testemunho da comunidade, pois todos usufruem dos recursos
usados para o culto, evangelização e edificação
Tudo isso deve
ser administrado com transparência e temor, lembrando que esses recursos
pertencem ao corpo de Cristo. Ninguém deve enriquecer com as ofertas do povo de
Deus, mas todos devem servir com fidelidade.
5. Os votos
financeiros: o cuidado com o coração
Além do dízimo e
das ofertas, a Bíblia também fala sobre votos. O voto é um compromisso
voluntário que alguém faz diante de Deus, prometendo realizar algo ou oferecer
algo ao Senhor.
Contudo, a
Escritura ensina que o voto não é uma troca com Deus, nem um meio de comprar
bênçãos.
O voto é
voluntário:
“Quando fizeres
algum voto ao Senhor teu Deus, não tardarás em cumpri-lo, porque o Senhor teu
Deus certamente o requererá de ti. Porém, abstendo-te de fazer voto, não haverá
pecado em ti.” (Deuteronômio 23:21-23)
O voto nasce da
gratidão:
“Pagarei os meus
votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo.” (Salmo 116:14)
O voto
precipitado é perigoso:
“Melhor é que
não votes do que votes e não cumpras.” (Eclesiastes 5:5)
O voto pode
expressar fé e entrega:
“Fez Ana um
voto, dizendo: Senhor dos Exércitos, se te lembrares da tua serva e me deres um
filho, eu o darei ao Senhor todos os dias da sua vida.” (1 Samuel 1:11)
Ana não tentou
comprar a bênção. Ela expressou fé e submissão, pronta para aceitar a vontade
de Deus. E quando foi atendida, cumpriu com alegria.
Assim, se um
cristão deseja fazer um voto, deve fazê-lo com entendimento e fé, sabendo que
não está negociando com Deus, mas expressando gratidão e confiança. Pode, sim,
pedir algo ao Senhor e oferecer uma oferta especial, contanto que o faça com o
coração submisso à vontade dEle, aceitando qualquer resposta que venha do céu.
Calvino advertiu
que os votos devem ser feitos apenas quando são santos, prudentes e conformes à
Palavra, e nunca usados como instrumento de superstição ou troca.
6. Conclusão:
generosidade, não obrigação
Na Nova Aliança,
não há mandamento para que o cristão dê o dízimo de 10%. O princípio agora é
mais elevado: tudo pertence ao Senhor. O crente reconhece que é apenas um
mordomo dos bens de Deus.
O que o Novo
Testamento ensina é a generosidade proporcional: dar segundo o que se tem, com
alegria, amor e fé, sabendo que Deus é quem supre todas as necessidades do seu
povo.
A comunidade
cristã deve cooperar para o sustento da obra, do ministério pastoral e das
necessidades do corpo, administrando tudo com honestidade e responsabilidade. O
foco não é a porcentagem, mas o coração rendido.
Portanto,
dízimos, ofertas e votos são expressões de adoração, mas precisam ser
compreendidos à luz da graça. Não como instrumentos de troca, mas como frutos
de fé.
Dar ao Senhor
não é uma obrigação legal, mas uma alegria espiritual. É reconhecer que tudo o
que temos vem dEle, e que tudo o que somos pertence a Ele.
“Cada um
contribua segundo tiver proposto no coração, não por necessidade, porque Deus
ama a quem dá com alegria.” (2 Coríntios 9:7)
Em resumo: não
devemos nos prender a 10%, pois tudo pertence ao Senhor. Devemos cooperar com a
comunidade que participamos, porque usufruímos de tudo o que ela faz para
manter o culto, o ministério e a edificação do corpo. Sustentar o pastor que se
dedica integralmente à obra de Deus e administrar os recursos com sabedoria é
parte do serviço do corpo. E tudo isso deve ser feito com alegria e
proporcional ao que recebemos, conforme ensina Paulo em 1 Coríntios 8 e 9.
Que Deus nos
Ajude!
Soli Deo Gloria
Alex Mendes
