terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Uma Igreja doente



Depois de mais de dois mil anos de cristianismo; depois de tantos concílios universais da igreja; depois de tantos milhares de livros escritos sobre toda a teologia, esbarramos no século XXI com uma igreja doente.
Deveria estar sadia, viçosa e madura, mas se encontra raquítica, doente e vem perdendo sua força a cada geração.
Sua importância é questionada e seu valor posto à prova. Igreja por natureza é um corpo vivo, atuante e transformador. Seus membros devem crescer pela Palavra e testemunho. A igreja deve marcar mais pelo contraste do que pela semelhança.
Mas, em nossos dias, ela vem se igualando ao mundo e oferecendo exatamente o que o mundo já tem e não satisfaz. Eis alguns dos motivos:

1 – Gigantismo em Lugar de Crescimento

Hoje, o padrão para se avaliar a bênção sobre uma comunidade é o número de frequentadores. Não importa se são salvos ou não, mas se está cheio.
Tomando este padrão como norma para as épocas da igreja, veremos que o próprio fundador da igreja foi um fracasso, pois, deixou somente 12 discípulos e estes medrosos.
Se tomarmos este padrão para o mundo árabe, veremos que os missionários que trabalham por lá há mais de vinte anos são fracassados, pois, suas congregações são compostas por pouquíssimos convertidos nativos.
Não somos contra congregações grandes, somos contra a despersonalização que elas geram, os membros deixam de ser ovelhas e tornam-se estatísticas.
Tem sites de igrejas que mostram, como se fosse um troféu, o número de membros arrolados com dizeres mais ou menos assim: “hoje já somos tantos milhares...”.
Com isso querem mostrar que o Senhor é mais bondoso com eles que com as demais congregações?
Esse gigantismo é uma distorção gritante do que a Palavra diz. A Palavra diz que a Igreja é um corpo ajustado com cada parte ajudando as demais no exercício de suas funções.
Os dons são distribuídos visando o crescimento do corpo. Mas a antítese do gigantismo vivido atualmente é a inanição dos membros.
Estes não crescem na proporção do número de membros. São crianças espirituais e crianças não trabalham, dão trabalho.
 Abraçam qualquer ensinamento e vivem de onda em onda.
A igreja está doente porque aceita ser medida pelos padrões de desempenho empresarial, mundano e não pelos padrões de Deus.
Está doente porque confundiu gigantismo com crescimento.

2 – Muito Dinheiro Investido em Prédios e Pouco em Missões

Se fizéssemos uma análise do valor patrimonial das 20 maiores igrejas nos pais ficaríamos estarrecidos com quantos milhões de reais estão invertidos em templos suntuosos.
Cada vez mais as igrejas buscam prédios maiores com o argumento que precisam de maiores espaços para acolher seus membros. Esquece-se que cada novo templo, por maior que seja já nascerá pequeno, pois, o crescimento natural da congregação inviabilizará qualquer empreendimento imobiliário.
Alguns líderes afirmam que possuem um patrimônio de tantos milhões de dólares, como se fossem deles tais igrejas.
Paulo pensava o contrário quando disse: “Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus, que está comigo”. I Cor. 15:10.
Paulo sempre apontava para a graça de Deus. Nunca achou que nele havia algum bem ou valor, mas sempre a graça. Ele foi enfático neste versículo quando disse: “todavia não eu, mas a graça de Deus, que está comigo”. Paulo sofria e lutava para que Cristo fosse formado em seus ouvintes. “Meus filhinhos, por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós”. Gal. 4:19.
Quando investimos em pessoas os ministérios acontecem, os dons de ajuda mútua emergem e a obra expande.
A igreja está doente porque olha para dentro de si mesma enxergando somente suas necessidades e esquece-se de olhar para a seara que está branca e pronta para ceifa.
Nos relatórios anuais das Congregações podemos ver e ficar estarrecidos com os valores aplicados em missões. Acreditamos que o executivo regional dessas convenções deva ganhar um pouco menos do que o total investido em missões no estado, o que é um absurdo.
Não somos contra remunerar bem pessoas que se esforçam para o crescimento do Reino.
A própria Bíblia diz: “...digno é o trabalhador do seu salário”. Mas a necessidade de um não pode ser mais significativa que todo um estado. O erro está em investirmos pouco, muito pouco em missões. Nunca soube de um alvo missionário para envio de 100 missionários para missões em um ano específico.
Sempre os alvos são financeiros e estes, salvo engano, nunca são alcançados, porque a igreja não tem consciência missionária.
A igreja está doente porque acredita que possuindo prédios gigantescos estará influenciando o mundo e mesmo, o salvando.
A igreja está doente porque já não mais chora pelos perdidos e seus destinos, mas se alegra com um capitalismo travestido de espiritualidade.
A Igreja está doente porque perdeu seu grande alvo, o mesmo de Cristo, buscar e salvar o perdido.

3 – O Pragmatismo é Mais Importante Que a Palavra

Fomos assaltados pelo pragmatismo. Se funciona, deve ser de Deus. Não perguntamos se está de acordo com a Palavra.
Deu resultado esqueça o resto. Um pregador pela televisão disse que não estava pedindo dinheiro naquele mês, em seus programas, porque muitos haviam ofertado para seu ministério depois que um profeta havia prometido uma unção financeira ilimitada por R$ 900,00.
Deve ter entrado muito dinheiro mesmo depois de tal profecia para que tal pregador jogasse no lixo a razão, a consciência e a Palavra. Isso é pragmatismo ao extremo.
Parece-nos que para tais pessoas os meios justificam os fins. Nem tudo que funciona vem de Deus. Nem tudo que dá certo tem apoio na Palavra. Temos um exemplo dramático no Antigo Testamento. Israel quando saiu do Egito não se dispersou no deserto porque adorou o bezerro de ouro. Um fim foi alcançado, a não dispersão, mas ao preço de sacrificar a comunhão com Deus. O pragmatismo sacrifica a Palavra no altar do erro e do oportunismo.
A igreja está doente porque aceita os resultados sem prová-los pela Palavra.
A igreja está doente porque a Palavra foi preterida como regra de fé e prática.

4 – Emoção Sim, Razão Não.

Os cristãos modernos são chorosos, gritadores, histéricos menos racionais. Os pastores, não em sua totalidade, felizmente, incentivam a irracionalidade e a emoção extrema como forma de espiritualidade.
Acham que se o povo gritar e pular é porque o Espírito Santo está agindo. Não me entendam mal. Creio que a presença de Deus pode mexer com todo nosso ser e podemos ter reações não convencionais. Devemos evitar os exageros, como por exemplo, imitar aquele pastor que convida os fiéis a darem (gritarem) o maior glórias a Deus, pois assim o fazendo receberá a bênção.
Paulo nos encoraja a praticarmos um culto racional (Rm. 12:1). Paulo nos encoraja a buscamos a sabedoria e o conhecimento para aprovarmos as obras de Deus.
A igreja está doente porque exalta a emoção e esquece-se da razão.
Está doente porque o arrepio vale mais que a Palavra que em tudo pode nos tornar aptos para salvação.

5 – O Evangelho da Cruz Foi Sacrificado no Altar de Mamon

Não é preciso ser experto em economia e finanças para identificar a crise que vive a igreja. Numa nação onde a justiça social é pouco praticada, a renda está concentrada nas mãos de poucos, o abismo entre ricos e pobres aumenta assustadoramente e os efeitos desastrosos de uma política neoliberal se faz sentir, nada mais seduz as pessoas do que a oferta de dinheiro fácil, haja vista, o alto grau de endividamento dos aposentados após o Governo Federal permitir um comprometimento de suas rendas em empréstimos junto a bancos.
O lucro dos bancos têm sido astronômicos. Não é para menos, temos uma inflação na casa de 5% a 6% a.a. e uma taxa de juros para o povo que chega a 100% a.a. O povo endividado até o pescoço e os banqueiros colhendo os maiores resultados das últimas décadas.
Neste contexto o que mais cresce no Brasil são casas lotéricas, bingos, jogos eletrônicos proibidos e igrejas.
Atraem os pobres com promessas de enriquecimento rápido. As loterias e congêneres pela facilidade de aposta e as igrejas com a doentia teologia da prosperidade ou da vitória financeira.
Estamos promovendo a maior desevangelização do Brasil. Estamos perdendo um momento precioso de anunciarmos o evangelho da cruz que gera arrependimento, fé e o novo nascimento.
Em muitos lugares o evangelho da cruz foi substituído pelo evangelho da prosperidade que gera ganância, barganha, materialismo e grandes desapontamentos.
Sabemos que a maioria nunca chegará a gozar das falsas bênçãos apregoadas por pregadores gananciosos, materialistas e desumanos.
 Infelizmente está emergindo toda uma geração de cristãos decepcionados com o evangelho de Cristo.
Pessoas que no médio e longo prazo nada farão pelo Reino de Deus, porque estão tentando absorver ou conviver com as frustrações que tiveram nas igrejas que pregaram tais distorções.
O homem tornou-se o centro de todas as coisas. Na pregação contemporânea, Deus é quem está a serviço do homem e não o homem a serviço de Deus.
A vontade do homem é que deve ser feita no céu e não a vontade de Deus na terra. O homem contemporâneo não busca conhecer a Deus, mas sentir-se bem.
É muito comum no dia de hoje recebermos irmãos de outras Igrejas, machucados, com feridas expostas em sua alma devido às promessas não cumpridas. Eles acreditaram nas promessas do “profeta” só que se esqueceram de dizer que Deus não estava nessa canoa furada.
Há bem pouco tempo acusávamos os católicos romanos de idólatras porque adoravam santos. Mas, no meio evangélico deparamo-nos com a idolatria. Não adoramos santos nem deuses, estamos adorando a Mamon.
A igreja está doente porque oferece os benefícios da cruz sem a cruz.
 A igreja está doente porque aponta para este mundo como um fim em si mesmo.
A igreja está doente porque se esqueceu de dizer ao homem que somos peregrinos em um mundo hostil a Cristo e seu evangelho.

6 – Teologia e Clareza Doutrinária Não, Revelações Sim.

Hoje em dia para tudo há uma nova unção.
- Unção de nobreza de Salomão por R$ 10.000,00;
- Unção de Ester;
- Unção do Leão de Judá;
- Unção de Davi;
- Unção apostólica;
- Unção das sementes da laranja;
 E por ai vai...

O pior é que as pessoas acreditam que isso é verdade. Sacrificam suas competências mentais em nome de uma espiritualidade doentia e insana.
Visões, palavras proféticas, atos proféticos tudo isso mostrando o vazio interior de líderes confusos e desequilibrados. Os cristãos acham que qualquer pessoa que fala em nome de Deus ou se diz pastor merece crédito.
Estamos vivendo um momento onde milhares de pastores auto comissionados e mesmo consagrados a rodo falam em nome de Deus.
Como não possuem formação teológica sadia ou mesmo compraram seus diplomas teológicos de pessoas desqualificadas e desonestas, falam sobre revelações, visões que nunca tiveram, usando a Bíblia como um manual manipulável e manipulador de massas.
Evidentemente que temos exceções e profetas de Deus que realmente recebem e transmitem a mensagem divina. Estamos chamando a atenção aos exageros, aos espertalhões de plantão.
As massas evangélicas foram cooptadas por certo triunfalismo, certo utilitarismo e mesmo hedonismo (prazer da vida), onde o que vale mais é a sensação prazerosa e imediata.
Tem mais valor a estética do que a ética, o sentir e não o pensar e a quantidade e não a qualidade.
A igreja está doente porque as novas revelações são mais importantes que a revelação da Palavra.
A igreja está doente porque os sentimentos são mais valorizados que o pensar consistente.
A igreja está doente porque relativizou a Palavra de Deus.
Está doente porque não possui mais valores absolutos.
Mas ainda resta muita esperança porque o Soberano Senhor está no controle de tudo. Ainda resta esperança porque existem homens e mulheres de Deus que pagam um preço pela sanidade, integridade e não se curvam, nem se embriagam com estas posturas alucinadoras.
Existem servos de Deus que não se venderam, nem pagaram por bênçãos e nem relativizaram os fundamentos da fé e de uma vida cristã integral.
Uma Igreja doente (infiel, incrédula, dividida, rebelde...) resultará numa cidade ou nação sem conhecimento da glória de Deus e consequentemente, vulnerável a toda nocividade das hostes malignas.
Uma Igreja curada, em contrapartida, resultará numa cidade ou nação abençoada.
Sempre que a Igreja assume seu lugar, posicionando-se como autoridade espiritual, a cidade e a nação se beneficiam.
Valores até então desprezados, passam a ser reconhecidos. Espaços até então encobertos, passam a irradiar a glória do Deus Vivo.
Ainda há esperança para igreja, nós cremos nisso.

Pr. Luiz Fernando Ramos de Souza
João Placoná